Artista, arquiteto com sólida formação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), concluída em 1973, e breve passagem profissional por essa área, conquistou a regalia essencial de surgir em uma época pungente, em inúmeros aspectos. Assim compôs, em 1967, a Bienal de São Paulo, apresentando a obra Ação dialética sobre... , convergindo para tema político e associado ao Vietnã, em tratamento próximo aos quadrinhos, com super-heróis e cortes, denunciando a posição claramente contrária às ações e intervenções dos quartéis, em geral e entre nós.
Eixo forte em toda a produção, Gilberto Salvador habita na pesquisa obsessiva da visualidade, que sempre se sobrepõe a um conteúdo direto e unilateral, desta forma apartando-se do Pop mais jornalístico e figural, naquele tempo, importante para afrontar a hora política imposta pelo regime militar, também entre nós. A decifração do enigma se encontra na ludicidade artística, insinuada para o espectador, consoante com a própria personalidade do artista. O artista justapõe os opostos, preferindo repetidamente o processo dialético da obra aberta e, como a esfinge, parece sempre repetir o mantra – decifrar versus devorar, a visualidade proposta.
Mantém nas obras atuais a reunião de opostos e contrapostos, em séries em que trabalha com pares aparentemente apartados, como água e bolas de pingue-pongue, ampliando a utilização de entes da natureza. Boa parcela das obras configura a mesma sensação que se tem ao se chegar às cidades chinesas – a força e a pureza de tonalidades uniformes, compostas por cores primárias e secundárias, como se observa na série Zipper. Do Ocidente latino traduz a sensualidade e proximidade, particularmente nas formas espaciais atuais, que exigem uma relação por vários sentidos humanos, presentes em obras como Esferopéia, Guiné e Parafuso. Sugere um movimento iminente e um olhar provisório, incitado por novas transmutações, virtual ou não, estas originadas pelo estímulo manual ou mecânico.
Como se constata, o artista aprofunda assuntos plásticos e culturais, revendo e criando novas aberturas, tanto para se pensar a atualidade quanto à própria transformação artístico-cultural, renovada em cada etapa. Por outro lado, não se rebela contra a natureza e tem um olhar terno para as diferenças, procurando captar na essência o que encontrou em ato no mundo dado e na cultura construída pelos seres vivos, sejam plantas, animais, ou humanóides. Assim passeia com desenvoltura entre passado e presente, sem estigmatizar um, ou outro, abrindo seu espaço para novas gerações, como antes lhes fizeram os integrantes da geração dos concretistas paulistas, transmitindo-lhes a cultura da geometria geradora, a par do olho produtivo.
Maria Cecília Lourenço França, 2009